A região da Terra onde actualmente as mudanças ambientais são mais profundas e extensas é o Árctico, localizado a norte do Círculo Polar Árctico.

Cerca de 62% do Árctico é oceano, em grande parte coberto por gelo. A extensão de gelo oscila com as estações do ano entre um máximo e um mínimo, mas a área média está a diminuir aceleradamente desde o início da sua monitorização na década de 1950.

A partir de 1979, quando as observações começaram a ser feitas por satélite, a área mínima de gelo decresceu em média 8% por década, o que corresponde a uma média anual de 57.000 quilómetros quadrados. Em Setembro de 2012, a área de gelo oceânico atingiu um mínimo absoluto de 3,4 milhões de quilómetros quadrados, 18% menos do que o anterior recorde de 2007 e 49% menos do que o mínimo de 1979.

O volume do gelo oceânico diminui ainda mais rapidamente do que a área. De acordo com estudos realizados no Polar Science Center da Universidade de Washington, em Setembro de 2012, o volume era 3400 quilómetros cúbicos, ou seja, 80% menor do que em 1979.

É provável que na década de 2030 o Árctico fique livre de gelo oceânico, situação que se considera corresponder a uma área de gelo menor do que um milhão de quilómetros quadrados, a maior parte junto das costas do Canadá e Gronelândia.

Mas a mudança ambiental não se confina ao oceano Árctico. Os glaciares estão a retroceder e os campos de gelo que cobrem a Gronelândia sofrem uma perda anual de massa de cerca de 200 milhares de milhões de toneladas, quantidade suficiente para satisfazer o consumo anual de água de mais de dois milhões de pessoas.

No que respeita à temperatura, a sua média anual no Árctico aumentou cerca de 1,5ºC desde meados do século XX, aproximadamente o dobro do aumento da temperatura média global. No topo dos campos de gelo da Gronelândia, a cerca de 2000 metros de altitude, a paisagem está a modificar-se de forma rápida e surpreendente.

A anterior imensidão branca está agora semeada de lagos, ribeiras e rios de cor azul, castanha e negra devido à presença da crioconite, constituída por poeiras dos desertos e fuligem, uma forma de carbono impuro proveniente das centrais térmicas a carvão, da combustão do petróleo e seus derivados, dos fogos florestais e de outras fontes antropogénicas.

Devido à sua cor escura, a crioconite absorve a radiação solar, aquece e funde o gelo onde se deposita criando buracos cheios de água líquida que se transformam em lagos. Esta água acaba por se infiltrar em condutas verticais até atingir a base da camada de gelo, acelerando o processo de fusão. A área onde o gelo se funde superficialmente no Verão tem estado a aumentar e atingiu um máximo de 97% no mês de Julho de 2012. Foi também em 2012 que se observaram alguns dos maiores icebergues a desprenderem-se dos glaciares da Gronelândia.

As transformações ambientais aceleradas no Árctico têm algumas consequências económicas positivas imediatas para os cinco países que o partilham – Rússia, EUA, Canadá, Dinamarca (Gronelândia) e Noruega. O degelo oceânico está a tornar possível a navegação comercial através do Árctico ao longo da costa da Sibéria, diminuindo a distância entre a Europa Ocidental e o Extremo Oriente em cerca de um terço.

Esta passagem, designada na Rússia por Rota Marítima do Norte, está a ser progressivamente utilizada para transporte de mercadorias, tendo sido utilizada por 34 navios comerciais em 2011 e 46 em 2012. A China, Japão e Coreia do Sul estão a investir fortemente na construção de navios adaptados às condições árcticas.

De acordo com um estudo do US Geological Survey de 2008, o Árctico contém 13% do total das reservas mundiais estimadas de petróleo e 30% de gás natural. Com o degelo, a exploração destas imensas reservas torna-se menos difícil. Em 12 de Abril de 2012, Vladimir Putin anunciou um novo conjunto de incentivos para atrair o investimento necessário à exploração do petróleo e do gás natural no Árctico e afirmou que “os campos offshore, especialmente no Árctico, são sem exagero a reserva estratégica [russa] para o século XXI”.

Passados quatro dias, a ExxonMobil e a empresa russa Rosneft assinaram um contrato para investir até 500 mil milhões de dólares na exploração de petróleo no mar de Kara, no Árctico, e no mar Negro. EUA, Canadá, Noruega e Gronelândia estão também a investir na exploração de petróleo e gás natural no Árctico.

Com o aumento da temperatura no Árctico, o modo de vida das populações indígenas está a ser alterado, os ecossistemas estão a migrar para norte e algumas espécies poderão vir a desaparecer. A tundra e as florestas recuam para latitudes mais elevadas, tornando apropriadas para a agricultura vastas regiões. Desde a década de 1980, cerca de 20% da área de tundra tem agora florestas boreais.

Peixes com valor económico, tais como bacalhau, hadoque e verdinho, estão a deslocar-se para as águas do Árctico. A produção agrícola está a aumentar na Gronelândia e o seu potencial de geração de hidroelectricidade, o maior do mundo, começa a ser mais fácil de explorar. Sabe-se que o Árctico é rico em ferro, zinco, ouro, níquel, urânio, terras raras, diamantes e rubis, e, dada a crescente escassez de algumas destas matérias-primas, há várias minas que vão começar a ser exploradas brevemente. As expectativas de crescimento económico que resultam de condições ambientais menos rigorosas estão a alimentar o desejo de independência das 57.000 pessoas que vivem na Gronelândia.

Mas afinal qual a razão de mudanças ambientais tão profundas e intensas no Árctico? Para as cerca de quatro milhões de pessoas que vivem no Árctico, é evidente que o clima está a mudar. Mas no contexto do actual paradigma de desenvolvimento, a pergunta é quase irrelevante para muitos dos que beneficiam do crescimento económico que essas mudanças potenciam. As companhias petrolíferas têm relutância em admitir que os efeitos das alterações climáticas estejam a incentivar o seu interesse crescente pela exploração do Árctico. Por outras palavras, evitam reconhecer que o seu negócio está em grande parte na origem das novas oportunidades que estão a surgir no Árctico, o que constitui um perigoso círculo vicioso.

Porquê alterações climáticas tão intensas no Árctico? A razão está, principalmente, num poderoso mecanismo de retroacção positiva (que se poderá designar também por círculo vicioso) em que a fusão de gelo oceânico e a sua substituição por água no estado líquido diminui a reflexão da radiação solar, o que contribui para o aquecimento da atmosfera.

Quais as consequências no resto do mundo das mudanças ambientais no Árctico? A fusão completa dos campos de gelo da Gronelândia causaria uma subida do nível médio do mar de cerca de sete metros e a deslocação de milhares de milhões de pessoas das zonas costeiras de todo o mundo. Cidades como Lisboa, Londres, Nova Iorque, Miami, Bombaim, Guangzhou, Alexandria, entre muitas outras, ficariam parcialmente ou totalmente inundadas, se não se construíssem protecções muito dispendiosas. Calcula-se que o processo de fusão integral torna-se irreversível para aumentos da temperatura média global superiores a 3ºC, embora seja muito lento, levando muitas centenas de anos.

O aquecimento do Árctico provoca ainda a libertação do metano contido no permafrost e nos hidratos de metano da plataforma continental. Estas emissões têm um efeito de retroacção positiva intensificando o aquecimento. Em termos económicos, os benefícios que as alterações climáticas trazem para a exploração do Árctico não compensam de modo algum os prejuízos de longo prazo dos seus impactos negativos à escala global. Estamos perante mais um exemplo de desenvolvimento insustentável que nos adverte para um futuro difícil.

Autor: Filipe Duarte Santos, professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.