por Zelina M. N. Leão e Ruy K. P. Kikuchi

Recifes de corais formam um ecossistema natural único, com características geológicas, ecológicas e processos biológicos e geoquímicos que lhes asseguram um grande valor científico, ambiental, econômico e educacional (Buddermeier & Smith 1999, Gattuso et al. 1999). Estes ambientes constituem os ecossistemas marinhos mais produtivos e de maior biodiversidade, abrigando ¼ de todas as espécies marinhas (Davidson 1998), constituindo a principal fonte de alimento e renda para muitas populações costeiras de regiões tropicais. Desempenham papel fundamental no balanço químico global dos oceanos através da fixação do CO2 atmosférico, sendo sumidouros através da deposição de carbonatos (Bikerland 1997; Hallock 1997).

Corais escleractínios são os principais construtores de recifes de corais do Holoceno (os últimos 11.500 anos). Estes organismos contêm endossimbiontes (zooxantelas - Symbiodinium spp.) e constroem seu esqueleto a partir do carbono inorgânico e do cálcio extraídos da água do mar, bem como pelo carbono inorgânico metabólico fornecido pelos endossimbiontes (Sapp 1999, Chalker et al. 1988). As duas grandes ameaças globais aos recifes de corais, decorrentes das mudanças climáticas, são a elevação da temperatura da água e a acidificação dos oceanos. Ambos os fatores poderão afetar negativamente as taxas de calcificação dos corais neste século (Leclercq et al. 2002, Oliveira 2007, Oliveira, in press), e tais reduções já foram observados no Pacífico (Cooper et al., 2008) e no Atlântico (Oliveira, 2007) nos últimos 25 anos.

O aumento da temperatura da água superficial do mar também causa branqueamento de corais, resultante da degeneração e/ou perda das zooxantelas, na ordem de 50% a 80%. O branqueamento tem levado à mortalidade em massa de corais em várias regiões do mundo, principalmente quando associado aos eventos ENOS (Glynn 1993, Hoegh-Guldberg 1999, Hughes et al. 2003, Wilkinson 2000, Wilkinson & Souter 2008). A freqüência e a extensão geográfica dos eventos ENOS têm aumentado consideravelmente, e as previsões sugerem que o branqueamento de corais se tornará um evento anual dentro de 30 a 50 anos (Hoegh-Guldberg 1999, Donner et al. 2005).

Estudos sobre o branqueamento de corais no Brasil e as suas causas iniciaram-se na década de 90 e, desde então, inúmeros casos tem sido registrados e reportados em artigos científicos (Migotto 1997, Castro & Pires 1999, Dutra 2000, Leão et al. 2003, Oliveira et al. 2004, Leão et al. 2008, Kikuchi et al. 2003, Leão et al. 2003, Oliveira et al. 2004, Costa et al. 2001, Leão et al. 2008). Até o momento, não existem registros de mortalidade em massa dos corais brasileiros, contudo o branqueamento tem sido associado ao aumento da temperatura da água, à alta insolação, ou, adicionalmente, devido à impactos antrópicos locais.

Devido à magnitude devastadora de alguns eventos de branqueamento, associado a fenômenos ENOS de grande intensidade, foi desenvolvida uma ferramenta de previsão de branqueamento em massa baseada principalmente em anomalias de temperatura (Coral Reef Watch Experimental Bleaching Outlook). Apesar de atingir bons níveis de acerto, a utilização de apenas este indicador (temperatura) limita consideravelmente seu potencial preditivo. Devido a isto, a utilização de uma rede Bayesiana como uma ferramenta alternativa foi proposta, incorporando outros fatores igualmente importantes (Wooldridge e Done, 2004). Uma ferramenta similar foi construída para a costa da Bahia, utilizando, além da temperatura, visibilidade, precipitação e características dos ventos (Krug, 2008). Os estudos em recifes coralinos brasileiros sugerem que a temperatura da água exerce um papel decisivo no crescimento dos recifes de corais, e uma clara relação inversa entre a variação da temperatura da água e a taxa de calcificação do coral M. braziliensis foi observada (Kikuchi et al. 2004, Oliveira 2007). A confirmação de alguns desses efeitos e a perspectiva de sobrevivência dessas espécies de coral diante das mudanças globais deve ser alcançada a partir de uma rede que integre diferentes pesquisadores e perspectivas. Verificar se existe, ao longo do tempo, uma tendência de aumento ou redução na taxa de calcificação dessas espécies de coral será uma forma de avaliar o estado de conservação dos recifes coralinos brasileiros.